DIRETOS
DAS MINORIAS VERSUS ÓDIO E PRECONCEITO
Uma ideia bastante
disseminada nas mídias sociais, particularmente em grupos
politicamente polarizados, é a de que os direitos conquistados por
minorias, como afrodescendentes, população LGBTI, povos indígenas,
quilombolas, entre outros, alimenta um sentimento de ódio na maioria
da população.
Os defensores dessa
ideia defendem que as políticas públicas devem estar voltadas para
a maioria da população e não para grupos classificados como sendo
minorias. Chavões como “o dia em que houver consciência humana,
não será necessário consciência negra”, são uma constante em
grupos que se opõem a políticas ou leis que favoreçam minorias.
Antes de prosseguir,
é importante entender qual o real significado de minorias e quais as
considerações históricas acerca deste tema tão importante e tão
atacado por muitos seguimentos da sociedade.
Para Chaves (1970)
“A palavra minoria se refere a um
grupo de pessoas que de algum modo e em algum setor das relações
sociais se encontra numa situação de dependência ou desvantagem em
relação a um outro grupo, “maioritário”, ambos integrando uma
sociedade mais ampla. As minorias recebem quase sempre um tratamento
discriminatório por parte da maioria.”. Portanto,
historicamente falando, minorias são grupos marginalizados em uma
sociedade em decorrência de aspectos econômicos, sociais,
culturais, raciais, físicos ou religiosos. O caso mais conhecido de
perseguição as minorias ocorreu na Alemanha, durante a segunda
guerra mundial, quando Hitler assumiu o poder, promovendo extermínio
de judeus com a justificativa de que eles não faziam parte da
superioridade biológica e racial ariana. Entre outros grupos, os
nazistas perseguiram também comunistas, ciganos e negros o que
configura a reação contra minorias não apenas de cunho étnico,
mas também ideológico e racial.
Nas sociedades que
escravizaram povos africanos deu-se origem a uma minoria de pessoas
que, mesmo após a libertação, foram colocadas a margem dessa
sociedade, sem direitos, oportunidades ou condições mínimas de
inclusão social, ficando assim por décadas, sem que houvesse
preocupação em reparar os danos causados pela exploração a elas
imposta. Como resultado disso, até hoje, essa população continua
sendo maioria em favelas e minoria em espaços que podem promover
oportunidades de ascensão social, como universidades, ou mesmo
acesso a educação básica.
Povos indígenas se
somam a essa estatística perversa por terem sido massacrados pelos
colonizadores e por continuarem sendo massacrados e mortos até hoje
pela ganância daqueles que não aceitam que eles tenham direito
sequer a um pedaço de chão.
Como medida de
precaução, uma das ações da ONU (Organização das Nações
Unidas), fundada em 1945, foi a declaração universal de direitos
humanos, em dezembro de 1948, que, entre outras coisas, previa
justamente proteger minorias para que atrocidades como as que foram
cometidas pelo nazismo, pela escravidão, pelo massacre a nativos,
entre outros, não viessem a se repetir.
Hoje, porém,
vivemos um revés dessas conquistas com a disseminação da ideia de
que proteger minorias desperta ódio e mais preconceito na maioria,
considerando que as oportunidades deveriam ser de todos que se
encontram em situação de vulnerabilidade e não apenas de
determinados grupos. O que é extremamente controverso, uma vez que
deixar de proteger as minorias, não significa mais oportunidades
para todos que se encontram em situação de vulnerabilidade. O que
falta, neste caso, é a ampliação de políticas públicas que
venham em socorro de quem precisa, o que não irá acontecer com a
retirada de direitos assegurados as minorias.
A retirada de
direitos assegurados as minorias só interessa a grupos poderosos que
tem muito a ganhar com isso. Para melhor entender, basta se perguntar
quem tem a ganhar com o fim da demarcação de terras indígenas?
Quem tem a ganhar com o fim de uma política de acessibilidade para
deficientes, por não ter que investir em acessibilidade? Quem tem a
ganhar com o fim das vagas destinadas a deficientes, nos serviços
públicos ou privados? Quem tem a ganhar com o fim das políticas
públicas que combatem racismo, homofobia, misoginia, entre tantas
outras? A resposta a essas perguntas nunca será o povo, porque o
povo só teria algo a ganhar se houvesse uma preocupação em ampliar
o socorro a quem precisa e não em retirá-lo de quem já o
conquistou.
Até aqui falamos de
minorias num contexto histórico. Resta agora lançar um olhar
pragmático sobre minorias. Ao fazer isso, será possível entender
que muitos daqueles que assumem uma posição crítica de ataque as
minorias, o fazem sem se dar conta de que, relativamente, também
fazem parte de uma minoria e que, defender as minorias, seria na
verdade fazer uma autodefesa.
Vamos por exemplo
considerar os servidores públicos, divididos em diversas categorias
que, com muito custo e sacrifício, conseguiram conquistar alguns
direitos que pudessem fazer valer os anos de estudos e dedicação
para passar em um concurso, após concorrer com milhares de
candidatos e ocupar um determinado cargo. Para muitos, que não
trilharam pelo mesmo caminho, uma campanha que ataque a conquista de
tais direitos pode fazer parecer com que eles sejam injustos. Sendo
assim, o raciocínio disseminado nas redes sociais de que os direitos
conquistados por minorias pode alimentar um sentimento de ódio nas
maiorias e que, portanto, deveriam ser retirados, pode ser usado
também contra os servidores públicos e não para por aí! Esse
mesmo raciocínio pode se estender também a muitas outras categorias
de trabalhadores, como professores, metalúrgicos, farmacêuticos,
enfermeiros, técnicos nas mais diversas áreas e assim por diante.
A grande verdade é
que a conquista de direitos em si, seja de minorias ou determinadas
categorias, não deveria alimentar ódio no coração de ninguém. Se
existe tal fenômeno, este, com certeza, é meticulosamente planejado
e disseminado por grupos quem tem muito a lucrar com a perseguição
e a caçada desses direitos.
De um ponto de vista
mais pragmático, a maioria da população nada mais é do que um
conjunto de minorias e categorias que vão se somando e formam juntas
o que conhecemos como povo. Portanto, atacar conquistas de grupos
minoritários é um primeiro passo para atacar conquistas de outros
grupos, constituídos por parte da população, até que que ninguém
do povo tenha nenhum tipo de direito que possa lhe conferir
possibilidade de ascensão social. Trata-se de uma fórmula brilhante
para concentrar as riquezas do país nas mãos poucos.
Diante de tudo isso,
a conclusão mais racional para combater as desigualdades, em
primeiro lugar, é evitar ataques a direitos conquistados, sejam eles
por minorias ou determinadas categorias de trabalhadores e, em
segundo lugar, lutar pela conquista de novos direitos para aqueles
que ainda se encontram em situação de exploração e
vulnerabilidade social. E é preciso fazer isso combatendo o ódio
plantado no seio do povo, que não surge naturalmente, mas, que é
financiado pela ganância de poucos, que já tem muito e que, por
mais que tenham, nunca estarão satisfeitos.